O QUARTO MÁGICO - Quarta parte


A primeira vez que estivemos juntos foi na praia, a noite. A necessidade vital que sinto, de estar só vez por outra, ele também a tinha. Dessa forma, a praia por onde eu vagava certa noite sozinha dava para os fundos do hotel onde ele estava hospedado. Era bem tarde. Foi depois de um dos seus shows, depois da festa, depois das mulheres, depois de tudo que nos encontramos ali, na areia fria coberta de lua. Ele passeava insone. Nossas almas se reconheceram e só.

Ele veio a mim como um passarinho não solicitado. Eu o tive sem gaiola e dele me perdi sem que o soltasse.

Nossa última vez não se anunciou por nenhum presságio, nenhuma frase enigmática, nada. Ele apenas morreu.

Aquele lugar, que era a maternidade onde nascemos, a igreja onde casamos, o altar onde imolávamos um ao outro dentro dos ritos da nossa flamejante religião, ficou em minha memória como uma tumba logo após a sua morte, por isso não retornei, esquecida da sua mágica. Foi meu grande erro.

Lá dentro, lua eterna. Eu deveria ter voltado. Era o nosso lugar, era o combinado. Não tive coragem.

Ali nos misturávamos: vestal, prior, prostituta cultual, deusa, sacerdote, mãe, sacerdotisa, colo, confessor... Ele deixava-se abandonar às minhas leis e eu às suas e nos alternávamos no poder em um exercício de democracia muito justo e condizente com os reclamos das nossas almas. No quarto mágico ele se despia de seus trajes reais e desdenhava de ser o que quer que fosse lá fora para tornar-se apenas meu menino grande e lindo, aprendiz, oferenda perfeita, filho apaixonado e febril.

Era muito mais que sexo. Era a liturgia do amor. Em nossa febre estávamos salvando o mundo, as focas, os pandas, os micos-leões-dourados, as baleias. Estávamos impedindo colisões de astros, contendo os céus e os mares para que não se precipitassem irados sobre um mundo em desamor. Meus seios em sua boca, incenso e orações, mantras... E seus olhos negros e incendiados em mim. Isso impedia que o universo se acabasse.

Ele chegava como quem não sabe o que fazer de si mesmo. Eu lhe dizia sem voz, com olhos e mãos, com a boca, com o abraço das coxas que agora ele podia voltar a ser menino pra descansar. Ele vinha das apresentações, das viagens e das luzes esgotado, mas deitava em meu colo, se alimentava de mim. Havia horas de silêncio antes da primeira palavra. Quando eu o devolvia ao mundo era já renovado e imponente, tendo subjugado uma a uma todas as suas adolescências. Ele era o meu universo moreno, flexada primeira no meu coração.

(Última parte...)

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