O QUARTO MÁGICO - Última parte


Tão longe estive lembrando disso tudo! Mas fui trazida de volta por uma risada distante. Pensei ter ouvido um acorde, um compasso abafado. Agora o espelho me chamava. Entendi que nosso encontro não era exatamente no quarto.

Meu Anjo Moreno...

Deitei em nossa cama e fechei os olhos mas nada aconteceu. Continuei assim, com a certeza ansiosa de não estar mais sozinha. A música e aquelas risadas distantes silenciaram.

“Meu Anjo Moreno”...

Abri os olhos, abri os braços... Pude ouvir o tilintar dos seus cordões, o baque da sua jaqueta bordada sendo jogada displicentemente na poltrona. O violão escorregou no canto da parede e caiu. Meu olhar foi chamado para lá. Nesse virar de rosto olhei o espelho. Olhei-me e lá estávamos nós.

Lá estava ele, tão meu como sempre foi. Deitou-se sobre mim e beijou meu rosto. Não dei meus lábios porque não ousava fitar-lhe de frente. Tive medo de tirar os olhos do espelho e perde-lo de novo. Fiquei assim, olhando-o pelo cristal mas sentindo seu peso, seu cheiro e sem saber absolutamente o que fazer porque além de tudo eu era tão linda e jovem quanto ele naquele estranho lugar de nós dois. Chorei, e chorando eu ainda era linda porque tinha 24 anos e meus cabelos eram tão negros quanto os dele e os nossos olhos nunca foram tão plenos de amor.

Não, eu não iria virar o rosto por nada desse mundo até que os céus nos amalgamasse e Deus em sua infinita misericórdia nos tornasse siameses! Até que houvesse garantia lavrada em pedra de que aquele momento não seria jamais perdido!

Foi então que ele falou com voz de anjo, com voz de Apolo que bastava que nunca mais saíssemos de lá, que nunca mais fôssemos tolos o suficiente para pensarmos que o mundo precisaria de nós. Ficaríamos ali para sempre, embirrados de amor.

Se eu quisesse, disse, escreveria uma carta ao mundo, à família, a Deus, ao diabo, ao raio que o parta. Eles que entendessem como carta, como conto, ou que desentendessem completamente. Ou eu poderia não escrever coisa alguma, mas seu eu saísse dali seria pela última vez. Nossos caminhos não se cruzariam nunca, nunca, nunca mais, em nenhum dos mundos.

Quem quiser que tenha achado esse documento faça o que quiser com ele mas se sobrou alguma coisa do quarto ou do espelho, destruam completamente. Deixem-nos em paz.

FIM

Cristina Faraon

Nenhum comentário:

Previous Post Next Post Back to Top