Por que não escrevo um romance - última parte


... Não haviam tambores mas mesmo assim o dono das lindas almofadinhas se assustou. Deveria já estar acostumado! Mas deixou cair alguns vidrinhos e olhou para trás. Claro que ela voltou a fechar os olhos e se mostrou cinicamente zonza, confusa, como quem naõ sabe o que está fazendo, tipo "ai meu Deus, o que faço aqui? Oh desculpa, estou desnorteada e sem pensar alisei o seu traseiro! Oh sedem-me por piedade!" E por dentro pensava: "será que cola?"...

Ele custou a dizer alguma coisa. Parecia indeciso entre "por que você fez isso?" e "você está bem? Ou quem sabe "faz mais!" Os segundo se passavam lentamente. Ela, de olhos fechados se fazendo de morta - mas o coração a mil. Mais segundo... mais segundos... O rapaz colocou a mão em seu abdome suavemente demais para ser um exame. Ela abriu os olhos. Ele aproximou seu rosto demais, até mesmo se fosse um oftalmologista. E a beijou.

Só. Só? Claro que não seria só isso. Quando terminasse o curativo ele pediria seu telefone com desculpa ou sem desculpa. Puxaria uma conversa qualquer ou entraria direto no assunto. Sugeriria muito sutilmente que se encontrassem em outra ocasião ... ou diria na lata mesmo, como é o mais indicado.

Curativo pronto, breve sorriso. E só. Só? Mas como só? Vai ficar só nisso?

Pelo jeito iria ficar só nisso. Sua vida sempre ficava "só nisso". Que desperdício! Qualquer noveleiro faria desse episódio o início de um romance. Me parece um bom início mas a vida não é assim.

A mulher sem nome voltou para casa sem o grande acontecimento a que tinha direito. Não houve risos nem farra nem discussão com o tal homem bonito. Nâo houve mal estar nem bem estar. Não houve. Seria necessário mais do que uma pequena tolice para apimentar sua vida. Para mudar o rumo então, imagina!

Nossa personagem voltou para casa em bom estado de saúde. Sequer se apaixonou pelo auxiliar de enfermagem que lhe fez o curativo. Não teve a presença de espírito nem mesmo de perguntar seu nome e ele nao teve a delicadeza de perguntar o dela. Ingratidão. Era mínimo que lhe devia já que estava ali por ele, por ele só.

Eles poderiam continuar se beijando. Ele poderia ter notado que ela era uma mulher interessante. Ela poderia ter passado outro dia novamente lá naquele hospital, mais bem vestida e maquiada e os dois sairiam para fazer um lanche. Ela poderia ter descoberto que ele estava sozinho na cidade, que sua família era do interior e que eles frequentavam o mesmo barzinho sem nunca terem encontrado um com o outro. Poderiam ter rido do destino e resolvido cooperar com ele, marcando vários outros encontros até se flagrarem realmente envolvidos. Tudo poderia mas já disse que minha personagem é chata. Personagens chatas geram histórias igualmente chatas, muito "vida-real" e com mais desapontamentos do que surpresas.

Nossa personagem terminou o dia em frente a tv. Vai dormir mansamente. Talvez agora, depois de um dia agitado, consiga ter um sonho, uma idéia, um plano que realmente tenha o poder de mudar a sua vida.

FIM

Cristina Faraon

Por que não escrevo um romance - parte III


...Fazia tempo que ela não olhava o mundo assim, como uma pintura que se mexe, como uma foto profissional ainda em formação sendo gestada durante o dia e finalmente revelada durante as lembranças da noite. Alguém jogou papéis picados de alguma janelinha lá em cima. É errado mas é bonito. Obrigada pela homenagem! Sinal fechou, atravessou a rua olhando para cima, puxaram a bolsa, tentou reagir, meteu o pé em um buraco, caiu, bateu a cabeça...

Ela estava aérea mas feliz num certo lugar tranquilo, macio, cheio de seres simpáticos e solícitos. O que importa onde estava? Não era o céu mas, quem sabe sua antecâmara. Um rapaz cheiroso, educado e alto, tão alto quando os personagens mais gloriosos das histórias infantis - sim! - esse rapaz tomou docemente a sua mão e perguntou se estava bem. Ela sorriu atacando de frágil. Charminho. Ele virou de costas para pegar algo (quem sabe uma aliança de noivado? Não, é delírio. Flores? Também delírio. Convite para assistir a um jogo no Mangueirão? Pesadelo. O que ele fazia assim, de costas? Um bonitão não pode ficar de costas para uma gentil senhorita. A cabeça doía mas nem por isso custou a desconfiar que estava em um hospital. Aos poucos lhe veio à lembrança a cena onde andava abestalhada pelo centro da cidade e se acidentou. Lembrou principalmente do seu plano quando viu o príncipe de costas e pôde constatar que ele era o legítimo proprietário do traseiro que fazia dele a vítima perfeita. Bela bunda. Não serve para nada mas é bela. Para quê uma mulher se interessa por traseiros masculinhos? Por amor ao belo, apenas. Nenhuma idéia, nenhum motivo prático, nada. A vontade é só olhar, dar um beliscão e seguir em paz o seu caminho.

E ele ali de costas, remexendo vidrinhos com seu sentante bem feito sorrindo na calça branca. Era a chance. Estava tonta, estava confusa, estava sem entender bem onde estava... Justificou para si mesma o ato tresloucado com a idéia de que poderia sem saber estar às portas da morte. Quem está às portas da morte tem direito a um último pedido e o seu era aquele.

Não pensou muito: ainda meio grogue esticou o braço e acariciou mensamente aquele pedaço de saúde. Não beliscou como fazem as safadas. Não se afundou como fazem os inconvenientes. Apenas passou a mão com aquela desenvoltura de quem fez isso a vida toda e essa é apenas a apalpada de número 3.577. Pronto, fez. E que rufem os tambores.

Não haviam tambores mas mesmo assim o dono das lindas almofadinhas se assustou. Deveria já estar acostumado! Mas deixou cair alguns vidrinhos e olhou para trás. Claro que ela voltou a fechar os olhos e se mostrou cinicamente zonza, confusa, como quem naõ sabe o que está fazendo, tipo "ai meu Deus, o que faço aqui? Oh desculpa, estou desnorteada e sem pensar alisei o seu traseiro! Oh sedem-me por piedade!" E por dentro pensava: "será que cola?"...

(Continua. Poderia estar melhor se vocês participassem, né.)

Cristina Faraon

Por que não escrevo um romance - Parte II


...Onde arranjar um homem bonito? Claro que não seria em qualquer lugar perebento. Os bonitões se aglomeram em locais bem específicos...

Feira? Nem pensar! Igualmente pontos de ônibus, fila de SUS, ponto de taxi, presídio. Campo de futebol? Talvez. Igreja? Tá doida, mulher?! Boate? Talvez, mas não queria sofrer represálias das acompanhantes. A vítima deveria ser procurada em locais onde não se constuma ir com acompanhantes. Congressos, encontros de negócios, academias, barzinho. Barzinho não, porque iriam confundi-la com prostituta e ela é mulher pra casar, viu. Universidade? Pode ser... mas a média de idade por lá não era muito animadora. Iriam acabar chamando-a de coroa tarada. Não que fosse coroa e não que não fosse tarada. É que para a garotada de 19 anos, mais de 30 é coroa e não tem apelação.

E o tempo passando... Decidiu então atacar em um setor da cidade repleto de hotéis. Centro, claro, porque em praia o cara vai com a família, baldinho, mulher mal humorada e ar cansado. Na praia o cara senta e espera, resignado, que as crianças cansem. Não, praia é muito deprê.

Ela não costumava andar pelo Centro no sábado pela manhã. Aliás, não costumava andar de forma alguma, menos ainda no sábado. Mas estava valendo a pena. A movimentação da rua, por si só, já era estimulante. Ofertas impensáveis, água de coco, pessoas fazendo compras, propagandas, música animada tocando em algum lugar... casal de namorados escolhendo livros, taxistas em grupo esperando os clientes, vendedor de picolé... Decididamente sábado na rua é bem mais divertido que sábado na cama, com preguiça. Aqui fora tem cor, tem suor, tem vida, barulho, pessoas com pressa e pessoas sem pressa formando uma curiosa harmonia com prédios imóveis e árvores inquietas com o vento. Fazia tempo que ela não olhava o mundo assim, como uma pintura que se mexe, como uma foto profissional ainda em formação sendo gestada durante o dia e finalmente revelada durante as lembranças da noite. Alguém jogou papéis picados de alguma janelinha lá em cima. É errado mas é bonito. Obrigada pela homenagem!

Sinal fechou, atravessou a rua olhando para cima, puxaram a bolsa, tentou reagir, meteu o pé em um buraco, caiu, bateu a cabeça...

(Continua...rá. Continuará.! Aceito sugestões.)

Conto "Por que não escrevo um romance" - Parte I


Parte I - Em caso de fim de mundo

Por que ainda não escrevi um romance? Gosto de romances, gosto de histórias. O problema é que a minha personagem, aquela que invade minha imaginação toda vez que tento imaginar uma história legal, é um saco! Ela é chata de doer. E indecisa. Não consegue resolver nem qual será a primeira coisa que fará quando levantar da cama com a cara quadriculada. Sonha em viver, mas não vive nunca. Por isso mesmo, entre tantas opções, deixa-se estar por mais tempo na cama. Escrever o quê sobre uma pessoa dessa?

A personagem do romance que ainda não escrevi é um tédio, não vive em agitos nem enfrenta perigos. Mora no subúrbio e sua vizinha tem um galo insuportável que enche a paciência todas as manhãs. Aos sábados e domingos o intolerável canta mais alto. O dono da padaria da esquina (sempre suorento e mal vestido) é o único macho da face da terra que se dispõe a come-la. Ela está quase cedendo por pura necessidade. O que a segurou até agora foi seu último fiapo de orgulho. Mas você sabe: quando a necessidade entra pela porta, o orgulho sai pela janela. É só uma questão de tempo, todos sabemos.

Não tem mais pai nem mãe mas não é velha - nem atraente. Não é feia, mas chata, como todos já sabemos. Feiúra, gordura, velhice, magreza, pobreza... tudo se atura, mas chatisse não.

Por isso não escrevo sobre ela: também por orgulho. É a única personagem que aparece na minha mente assim como o dono da padaria é o único homem interessado nela. Ô triângulo miserável! Presumo que escrever sobre essa mala sem alça seja só questão de tempo também...

Mas...

Finalmente hoje ela me fez um grande favor. Sim, ela, a minha algoz, aquela que está massacrando com o meu ego, que está boicotando minha imaginação a ponto de eu desistir de um conto e aceitar humildemente arriscar um continho. Como ia dizendo: sim, aconteceu algo especial.

Minha algoz finalmente acordou com uma idéia nova na cabeça. Ufa! Não uma grande idéia, claro, mas qualquer coisa seria melhor do que o nada de sempre. É a primeira vez que ela acorda em minha imaginação! Já é um progresso.

Ainda na cama, mas acordada, hoje ela resolveu dar-se a uma pequena aventura. Ativou a parte imaginativa do seu cérebro bolou algo obviamente idiota: decidiu protagonizar um dia diferente dos outros, um dia único. Parou aí por infindáveis minutos.

Todos os dias são únicos, estamos cansados de saber. Todos nós, menos ela, que nem nome tem ainda. Claro que ficou um tempão na cama imaginando o que poderia fazer de interessante naquele sábado modorrento. Só o que deu corda à sua imaginação foi fazer de conta que o mundo terminaria no dia seguinte. Era o mote que precisava.

Não, ela não resolveu continuar deitada de olhos fechados imaginando como seria esse último dia do planeta Terra. Decidiu vestir mesmo a camisa e viver ousadamente como se fosse verdade, como se a uma bomba nuclear estivesse prestes a explodir - ou algo assim. E ela não se deteria imaginando as consequências de o mundo não vir a acabar e depois ter que se explicar para a sociedade.

O problema é que a praga da mulher é tão chata, mas tão chata, que não conseguiu pensar em nada mais criativo do que passar a mão na bunda do homem mais bonito que ela encontrasse no caminho. Pelo amor de Deus!

Foi a partir daí que passei a pegar raiva dessa incompetente. Se eu tivesse a liberdade que ela tem, me empenharia em algo melhor. Tipo acordar cedo, comprar umas roupas legais e passar o dia visitando os lugares bonitos da cidade, restaurantes maravilhosos, puxando papo com intelectuais... ir para um hotel de luxo e passar o dia luxando... sei lá! Tinha que ser uma coisa simplezinha assim porque se o fim do mundo fosse amanhã não seria possível providenciar nada muito elaborado.

Bem, como eu ia dizendo a mardita era tímida. Achou que 24 horas seria pouco tempo para tentar arrastar um bonitão para a cama. Achou, em sua ignorância, que passar-lhe a mão na bunda seria divertidíssimo, seria uma casquinha para ela e um mico para ele, um justo castigo por nunca ter notado sua existência.

Por que não cantar o tal homem, só pra ver no que daria? Simples: porque sempre soube que sua tolerância a rejeição era abaixo de zero e no caso de o mundo não acabar (como de fato não acabaria) ela teria dificuldade em conviver com isso. Então...

Não colocou sua melhor roupa. Não estava se aprontando para seduzir, mas para brincar, ser adolescente e inconsequente pelo menos uma vez na vida, não ligar para a reputação, não tentar agradar e ainda rir da cara dos outros. Só isso. Depois ela tomaria um sorvete, sentaria na praça, riria de si mesma e descansaria em paz seu corpinho quase virgem.

Onde arranjar um homem bonito? Claro que não seria em qualquer lugar perebento. Os bonitões se aglomeram em locais bem específicos...

(Aguarde os próximos episódios. Essa história tem continuação sim! Se quiser participar, sugira algo para as próximas cenas.)

Legado


Se te olho pensativa
E sorrio e nada falo
Nessa tarde cansativa
De temor e de regalo...

Se te escuto e não completo
As mil frases que inicias
Se meu mundo inquieto
Te sonega as fantasias...

Não te doa; que não faças
Do silêncio o teu pesar
As estradas que me traças
Não são simples de andar!

Minhas canções e palavras
Não pedem para vir à luz
Jazem tranqüilas em salas
Onde escondo o que compus

Palacete mobiliado
Com verdades incompletas
Um só cômodo fechado
E um jardim com borboletas!

Tudo legalmente teu
Ontem, hoje e para sempre
E meu sol abraça o céu
Num adeus incandescente...

Cristina Faraon

O encapetado Diogo


Gosto de Diogo Mainardi. Por vários motivos. O primeiro é que tem um monte de gente que o odeia. O segundo é porque ele tem cara de aluno provocador e engraçadinho que costuma ser o pesadelo das professoras e a tesão das adolescentes.

Reconheço que não são bons motivos para gostar dele, mas tem o terceiro: acho delicioso o jeito como ele escreve. Se ele beija como escreve, está bem na foto.

Ele parece não hesitar antes de beijar - digo, antes de escrever. Não tem medo dos resultados, é impetuoso e irreverente e se mostra seguro - pelo menos aparentemente (e quem se importa com o resto?)

Alunos "engraçadinhos" e provocadores geralmente se dão mal, recebem todo o tipo de ameaça e punição e por fim acabam baixando a crista. Não o Diogo Mainardi! Não só continuou na escola (presumo pelo modo como escreve) como está ganhando dinheiro com suas provocações e desaforos. Ele é o "mal elemento" (na melhor acepção do termo") que se deu bem.


Diogo Mainardi joga bolinhas de papel na nuca do Lula, põe taxinhas na cadeira do General Enzo Peri, gruda rabo de papel nas calças de Hugo chavez, dá petelecos em Daniel Dantas e Naji Nahas ... E tenho certeza de que não poupa nem os amigos. Só os grandes amigos o aguentam.

Decididamente eu não queria sentar na frente do Diogo Mainardi em uma sala de aula. Mas com uns 16 anos acho que eu teria me apaixonado por ele. Com essa idade quem não se apaixona pelo encapetado Diogo?

Tanto nas fotos quanto nos programas televisivos, ele está sempre com um sorriso provocador e tranquilo, como se tivesse acabado de bolar, naquele exato momento, sua mais nova travessura.

Não sei se eu queria conhecer Diogo Mainardi pessoalmente. Ele iria acabar puxando meu cabelo ou ridicularizando meu blog. Acho que não estou emocionalmente preparada para isso.

Mas eu gosto dele. Talvez não pra casar - a menos que ele provasse que só é pentelho com os outros, mas em casa é capaz até de lavar copos.

Vou confessar: eu bem que queria ganhar dinheiro infernizando os outros.

Hmmm... Pensando bem eu casaria com o Diogo Mainardi sim. Mesmo que ele não lavasse meus copos.

Cristina Faraon

Mulher de fases


Hoje fui suavemente (mal-disfarçadamente) advertida (acusada) de estar demasiadamente apegada (viciada) em Internet.

Não vou me defender. Prefiro sofrer heroicamente a acusação - inclusive porque esse lance de se defender dá muito trabalho e me rouba momentos preciosos na Internet.

Não posso parar! Meus dedos formigam quando paro. Em minha mente milhões de sites me desafiam, pedindo para serem penetrados - ou melhor: desvendados, conhecidos. Há um mundo virtual a minha espera. Lamentável ter que tomar banho, dormir e comer.

Brincadeira. Claro que não estou viciada, apenas redireciono minha atenção e energias de forma a não criar problemas. Houve épocas que meus anseios eram incômodos em todos os sentidos. Lembro-me de outrora, quando vivia amargurada querendo me divertir. Queria jogar queimada na rua, ir para a praia, cinema, casa de amigas, viagens emocionantes, boate, shows, eventos culturais diversos. Vivi assim durante anos e garanto a você que não foi nada divertido. Não digo que essa Cristina formigante tenha morrido, mas estou dando um tempo nela.

Minhas ânsias juvenis fora de época eram um incômodo não só para mim. É doloroso ter dentro de si um vulcão.

Hoje passei o dia como a mais pacata das mães: trancafiada em casa. Acho que agora sou a esposa ideal. Quer dizer: nem tanto. Não fiz biscoitinhos de tarde - mas cortei o cabelo da minha cunhada! Acho que isso conta pontos, né? Qual homem não sonha com uma mulher caseira, ao alcance de mão para o que ele precisar e que não o importune com desejos exacerbados de nenhuma ordem? Pois é, alcancei o nível. E olhando por esse ângulo vício em internet pode ser visto mais como uma cura do que como um problema. E ainda que seja um vício, certamente a pena deve ser mais branda.

À guisa de informação: hoje assisti em meu computador dois documentários em DVD. Isso não configura internet.

Se você fosse homem, onde preferia que sua mulher estivesse aos sábados: no barzinho com as amigas? No cinema com pipocas? Afinando o cartão de crédito no shopping? No salão fazendo experimentos químicos duvidosos? Fazendo hora extra com o chefe... ou placidamente na frente do computador, domada e encoleirada debaixo das suas vistas, contentando-se em ver o mundo através impulsos elétricos, hein? Claro que prefere a última opção! Você é como os outros!

Vício por vício pense nisso: liberdade é bem mais perigosa. Além de escravizar, traz efeitos colaterais incontroláveis.

Ah navegar... Até que horas? O que importa? Hoje é sábado e os ventos estão propícios.

"Navegar é preciso. Viver não é preciso..." Vixi! Quem foi o maluco que disse isso? No mínimo era algum viciado em internet...


Cristina Faraon

Férias na Ausácia




Esses dias, sem mais nem menos dei um clique aleatório e conheci um blog de uma garota desconhecida. Ela mostrava, em dezenas de fotos, suas férias na Alsácia: "Vacances 2007 en Alsace."

Moça branca de rosto bonito, um pouquinho acima do peso e com espinhas. Quando comecei a ver as fotos, estranhamente, fui tomada de uma dorzinha que depois identifiquei como sendo melancolia. Sabe quando a gente começa a "lembrar e sentir saudade de coisas que não aconteceram"?

Estava friozinho na Ausácia e a moça parecia estar só. Não dolorosamente sozinha, mas no contexto de uma solidão gostosa de quem viaja mas não pode levar ninguém junto. Ou talvez a solidão de quem viaja entre o fim de um namoro e o começo de outro. Seu rosto tinha a expressão discretamente alegre de quem está feliz mas não tem com quem gritar "uau!" Ruas cinzentas.

Tudo parecia arrumado, silencioso e cinzento nas fotos. Ônibus, casacos, prédios antigos, idosos, frio. Fazia frio nas ruas limpas, muito limpas e tão distantes daqui. Senti vontade de sentir frio. Senti vontade de ir para a Ausácia sozinha e sentir frio, e ouvir meus próprios passos nas ruas, decididos e sem pressa. Tive vontade de tirar fotos de mim mesma no automático da máquina e sentar na praça, pegar chuva fina, ficar debaixo da marquise com olhar distante, tomar chocolate quente ao lado de outro forasteiro. Senti vontade de sentir saudade e sentir distância, tudo isso no frio. Senti saudade de me sentir em outro contexto, solta, cara a cara com uma vida alternativa.

Melancolia, melancolia com a quelas fotos de igrejas graves, de transportes de primeiro mundo passando por prédios antigos. Saudade do que não vi em um lugar que não conheço. Fiquei com frio na alma, procurei um agasalho dentro de mim e não encontrei. Nem marquise, nem chocolate.

Quero ver a vidraça chorar no inverno e sentir o frio de final da tarde afugentando os transeuntes. Senti saudade, dor e saudade e frio e vontade de reencontrar a parte de mim que sai de férias de mochila e vai para a Ausácia.

Cristina Faraon

Era só o que faltava...


Eles também cresceram. Ouvi dizer que a tuma da Mônica agora está adolescente. Era só o que faltava...

Ora, ora, um dos encantos dos quadrinhos é justamente imaginar que os personagens jamais envelhecerão. Lemos a história e pegamos carona na fantasia de que somos como eles: estaremos imunes ao tempo, as amizades permanecerão para sempre apesar das brigas e no fim vai dar tudo certo. Nada mais reconfortante.


Hoje há os que anseiam doentiamente por novidades. Há também os apegados afetivamente a coisas antigas que nada são além de sonhos incompletos. Em cada lembraça é possível notar o tudo que não foi. A arte de lembrar vai muito além de lembrar o que aconteceu. Sim, vai muito além. Envolte também ter saudade do que não vingou, do que morreu no nascedouro. Envolve voltar no tempo infinitas vezes para retocar, reformar, completar, ressuscitar e remoer quantas vezes forem necessárias.

Acho que o amadurecimento da turma da Mônica está mais para melancólico do que para qualquer outra coisa. É mais uma despedida em minha vida. Não sei se a idéia fará sucesso.

Quem escreve histórias tem que levar em consideração que nem sempre as notividades são uma necessidade. Vivemos em um mundo ávido por novidades. Só que mão é isso o o que nosso coraçao mais quer. Queremos o conforto do velhos sonhos, aperfeiçoados a cada noite, totalmente adaptado para nós. Queremos o conforto do sofá antigo, o conforto de saber como será a reação de tal personagem. Essas histórias na verdade são só parábolas da nossa própria vida. É lamentável imaginar que nossos personagens preferidos foram inseridos em nosso mundo de carne e osso, que envelhece, envilece, sofre e morre.

A turma da Mônica em momento algum manifestou a intenção de amadurecer. Eles estavam felizes, presos na capsula do tempo. Por que mexer nisso? Por que não termos personagens eternos, sempre jovens e que nos mostrem que são dignos da nossa admiração, que a vida nao acabou e que no fim, tudo dará certo?
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