Começando a Escrever - Texto completo




Preâmbulo:
Por algum motivo sobre o qual ainda não refleti o suficiente, despertei com o espírito leve. Uma luz sobre mim brilhou e então achei-me em perfeitas condições de dar os seguintes conselhos aos meus leitores, os quais serão valiosos para que ingressarem, uma vez guiados pela Luz, no mundo fabuloso da literatura.

É possível que meus conselhos não passem de um breve palito de fósforo diante da longa estrada que cada um de vós tem pela frente... Ou quem sabe valha menos que um fósforo queimado. Vossa sabedoria certamente discernirá. E ao final das contas quem pode garantir que o quê serve para o quê em nossa curta passagem pela terra? Tudo não termina mesmo debaixo de sete palmos? Então vamos lá.

1) Leia com afinco todas as grandes obras que puder mesmo que no começo alguma coisa se lhe apresente meio estranha. Eu mesma, quando li Dom Casmurro ainda moleca, não conseguia entender o que poderia haver de bonito nos "olhos de ressaca" de Capitu. Olhos vermelhos, inchados, sonolentos... Para mim deveriam ser horríveis, mas gosto era gosto. Tem até quem goste de apanhar! Anos mais tarde saquei o lance. Mesmo assim acho que não perdi meu tempo. Pois é, persista. Você estará no ponto para passar para o segundo passo quando estiver achando que é moleza escrever daquele jeito e que as livrarias estão superlotadas de livros com a mesma qualidade.

2) Anote aí: é muito importante para a sua formação que você leia os maus escritores. Eles são de valor incalculável e jamais deveriam ser desprezados. Desconfio de um curso que se diga sério e não os recomende. Deveriam fazer parte do programa de qualquer Universidade minimamente respeitável.

Parece-me inadmissível que alunos sejam levados a acreditar na existência de um mundo ideal e, à semelhança dos romances, passem a imaginar que encontrarão com Graciliano Ramos no funk de sexta feira, trocarão confidências em um chat com Ernest Hemingwai. Ou talvez alguém como Machado de Assis escreverá a próxima novela das oito ou quem sabe todo dia nascerá na Maternidade do Povo uma nova penca de Guimarães Rosa. Não! É imprescindível que sofram depois do filé com uns "besta-seleres" na cabeça para aprenderem a separar o joio do trigo. Depois de degustarem a realidade, mãos à obra.

3) Ler Eça de Queiroz ou Fernando Pessoa certamente é empolgante mas tentar escrever em seguida pode ser profundamente desanimador. Claro que existem aqueles que não conseguem ver muita diferença entre um grande escritor e um escritor medíocre. Há ainda os que preferem os medíocres! São esses os mais animados em adotar esse novo "passa-tempo". Já outros sofrem pela dura comparação e só escrevem mesmo porque não conseguem deixar de fazê-lo. Não é uma opção, é mais ou menos como a história do rapazinho delicado que... deixa pra lá. Se você for uma dessas pessoas que mesmo se sentindo uma minhoca não conseguem parar com esse negócio, aqui vão umas dicas.


PARTE II

Degrau 1:

Escreva. Claro, esse tem que ser o primeiro passo assim como abrir a boca é o início de cantar.

Como disse um escritor amigo meu: jamais traga a lume um texto recém escrito. Deixe-o amadurecer na "gaveta" por semanas, meses se for preciso. Acrescento que o ideal é que quando tornar a ler você esteja tão distanciado dele no tempo que tenha a sensação de que aquelas palavras não são suas. Issa é a sacada.

Os novatos não passam nunca nesse primeiro passo. Tudo que escrevem querem logo jogar no ventilador, como se o mundo estivesse louquinho para descobrir o que se passa por suas mentes avoadas. Prepare-se para digerir uma dura realidade: ninguém, mas ninguém mesmo, quer saber o que você pensa. Isso dói. Então por que escrever? Pergunte ao cachaceiro por quê beber. A resposta será parecida. Mas vamos lá: a idéia é fazer o público tropeçar em suas palavras "sem querer querendo" e em seguida cativá-lo. Não entendeu?

É como fazemos com uma criança que não quer comer mas inadvertidamente abre a boca. O que você faz? Colher dentro! E para seu deleite o bebezinho acaba gostando e querendo mais. Essa é a situação ideal, claro. Ou é como o caso do sabonete que cai no chão e - deixe pra lá, acho que você já entendeu. O importante, no exemplo da comidinha da criança, é que você prepare muito bem a receita, da melhor forma que puder. Nada de improvisos, de coisas apressadas. Vírgulas, travessões, preferências por determinado sinônimo, tudo são temperos que cativarão aquele fofucho que é o seu leitor.

Degrau 2:

Bem, você conseguiu conter-se e agora está no segundo degrau. Passaram-se semanas, meses? Parabéns! Belo começo. Agora você relê o que escreveu e nada mudou em sua avaliação: continua achando muito bom? Hmmmm... Vai ver que você é bom mesmo (duvido). Devo alertá-lo de que sua reação frente ao texto engavetado é pouco comum.

Caro colega, o que mais acontece é que você, distanciado no tempo, tenha a impressão de que não escreveu aquela coisa. Vejamos: o que acontece quando a gente lê um texto que outra pessoa escreveu? Pense bem. Esforce-se. Faz de conta que é um colega seu que está disputando uma vaga para cronista em um conceituado jornal na cidade e o texto que agora tem nas mãos, na verdade é dele. Com que olhar o lerá? Isso! Olhar crítico, sagaz, quase cruel. Certo, estamos indo bem. ão tendo sido você que escreveu "aquilo" é claro que fica muito mais fácil descer o malho. Não fique triste consigo. Nós, os humanos, somos todos assim.

E agora? Seu olhar ficou mais crítico, mais afiado e os dedos coçam para fazer correções? aproveite!

a) Vamos lá: faça todas as correções que desejar. Demore-se, entre pela madrugada, ignore o horário das refeições.

b) O chato é quando olhamos tudo e temos a impressão de que a idéia em si é boa mas o texto foi mal escrito desde o nascedouro e parece-nos irrecuperável. Recomendação: não remende. Recomece do zero. Não desperdice uma boa idéia por de preguiça.

c) Mas algo pior pode acontecer: você entender que a idéia em si é paupérrima, que quando resolveu escrever aquilo só podia estar bêbado e que aquilo não merece um punhado de bytes. Só posso te dizer uma coisa: você tem razão. Delete.

Claro que para quem tem talento não existe ideia má. Pode-se escrever mil páginas sobre uma batata e ainda receber um Nobel de Literatura, mas você é você e cada um tem o seu limite. Não se exponha ao ridículo.

Degrau 3:

Gaveta de novo. Exatamente. O tempo de descanso agora poderá ser menor. Repita os passos "a", "b" e "c" até concluir que não há mais o que melhorar. Entenda: não espere concluir que seu texto é perfeito; poder ser ou não. Apenas pare de retocar quando observar que chegou ao seu limite e que dali não passará não importa quantos invernos o maldito fique na gaveta.


PARTE III

Degrau 4:

Pronto! Presenteie o mundo com as suas idéias brilhantes!

Importantíssimo: nunca, jamais, em hipótese alguma cometa a indelicadeza de perguntar às pessoas se elas gostaram do que você escreveu. No máximo, se for muito, mas muito amigo mesmo da vítima, pergunte se ela leu. E cale-se para sempre.

Se você é uma pessoa carente faça terapia enquanto escreve mas jamais mostre aos outros os seus textos se está sem condições emocionais de suportar críticas, risinhos ou indiferença. Nem todos tem estrutura tampouco para "o silêncio dos inocentes". A idéia deve ser a seguinte: escreva, ame-se, acalme-se e aguarde ser descoberto pelas futuras gerações. Se você tiver sorte eles serão mais receptivos que a atual. E uma lápide caprichada é melhor do que nada.

Cristina Faraon.

Começando a escrever - ÚLTIMA PARTE


Degrau 4:

Pronto! Presenteie o mundo com as suas idéias brilhantes!

Importantíssimo: nunca, jamais, em hipótese alguma cometa a indelicadeza de perguntar às pessoas se elas gostaram do que você escreveu. No máximo, se for muito, mas muito amigo mesmo da vítima, pergunte se ela leu. E cale-se para sempre.

Se você é uma pessoa carente faça terapia enquanto escreve mas jamais mostre aos outros os seus textos se está sem condições emocionais de suportar críticas, risinhos ou indiferença. Nem todos tem estrutura tampouco para "o silêncio dos inocentes". A idéia deve ser a seguinte: escreva, ame-se, acalme-se e aguarde ser descoberto pelas futuras gerações. Se você tiver sorte eles serão mais receptivos que a atual. E uma lápide caprichada é melhor do que nada.


(Quer o texto completo? Clique aqui)

Cristina Faraon.

Começando a escrever - PARTE II


Degrau 1 da parte dois: Escreva. Claro, esse tem que ser o primeiro passo assim como abrir a boca é o início de cantar.

Como disse um escritor amigo meu: jamais traga a lume um texto recém escrito. Deixe-o amadurecer na "gaveta" por semanas, meses se for preciso. Acrescento que o ideal é que quando tornar a ler você esteja tão distanciado dele no tempo que tenha a sensação de que aquelas palavras não são suas. Issa é a sacada.

Os novatos não passam nunca nesse primeiro passo. Tudo que escrevem querem logo jogar no ventilador, como se o mundo estivesse louquinho para descobrir o que se passa por suas mentes avoadas. Prepare-se para digerir uma dura realidade: ninguém, mas ninguém mesmo, quer saber o que você pensa. Isso dói. Então por que escrever? Pergunte ao cachaceiro por quê beber. A resposta será parecida. Mas vamos lá: a idéia é fazer o público tropeçar em suas palavras "sem querer querendo" e em seguida cativá-lo. Não entendeu?

É como fazemos com uma criança que não quer comer mas inadvertidamente abre a boca. O que você faz? Colher dentro! E para seu deleite o bebezinho acaba gostando e querendo mais. Essa é a situação ideal, claro. Ou é como o caso do sabonete que cai no chão e - deixe pra lá, acho que você já entendeu. O importante, no exemplo da comidinha da criança, é que você prepare muito bem a receita, da melhor forma que puder. Nada de improvisos, de coisas apressadas. Vírgulas, travessões, preferências por determinado sinônimo, tudo são temperos que cativarão aquele fofucho que é o seu leitor.

Degrau 2:

Bem, você conseguiu conter-se e agora está no segundo degrau. Passaram-se semanas, meses? Parabéns! Belo começo. Agora você relê o que escreveu e nada mudou em sua avaliação: continua achando muito bom? Hmmmm... Vai ver que você é bom mesmo (duvido). Devo alertá-lo de que sua reação frente ao texto engavetado é pouco comum.

Caro colega, o que mais acontece é que você, distanciado no tempo, tenha a impressão de que não escreveu aquela coisa. Vejamos: o que acontece quando a gente lê um texto que outra pessoa escreveu? Pense bem. Esforce-se. Faz de conta que é um colega seu que está disputando uma vaga para cronista em um conceituado jornal na cidade e o texto que agora tem nas mãos, na verdade é dele. Com que olhar o lerá? Isso! Olhar crítico, sagaz, quase cruel. Certo, estamos indo bem. ão tendo sido você que escreveu "aquilo" é claro que fica muito mais fácil descer o malho. Não fique triste consigo. Nós, os humanos, somos todos assim.

E agora? Seu olhar ficou mais crítico, mais afiado e os dedos coçam para fazer correções? aproveite!

a) Vamos lá: faça todas as correções que desejar. Demore-se, entre pela madrugada, ignore o horário das refeições.

b) O chato é quando olhamos tudo e temos a impressão de que a idéia em si é boa mas o texto foi mal escrito desde o nascedouro e parece-nos irrecuperável. Recomendação: não remende. Recomece do zero. Não desperdice uma boa idéia por de preguiça.

c) Mas algo pior pode acontecer: você entender que a idéia em si é paupérrima, que quando resolveu escrever aquilo só podia estar bêbado e que aquilo não merece um punhado de bytes. Só posso te dizer uma coisa: você tem razão. Delete.

Claro que para quem tem talento não existe ideia má. Pode-se escrever mil páginas sobre uma batata e ainda receber um Nobel de Literatura, mas você é você e cada um tem o seu limite. Não se exponha ao ridículo.

Degrau 3:

Gaveta de novo. Exatamente. O tempo de descanso agora poderá ser menor. Repita os passos "a", "b" e "c" até concluir que não há mais o que melhorar. Entenda: não espere concluir que seu texto é perfeito; poder ser ou não. Apenas pare de retocar quando observar que chegou ao seu limite e que dali não passará não importa quantos invernos o maldito fique na gaveta.

PARTE III

Começando a escrever - PARTE I



1) Leia com afinco todas as grandes obras que puder mesmo que no começo alguma coisa se lhe apresente meio estranha. Eu mesma, quando li Dom Casmurro ainda moleca, não conseguia entender o que poderia haver de bonito nos "olhos de ressaca" de Capitu. Olhos vermelhos, inchados, sonolentos... Para mim deveriam ser horríveis, mas gosto era gosto. Tem até quem goste de apanhar! Anos mais tarde saquei o lance. Mesmo assim acho que não perdi meu tempo. Pois é, persista. Você estará no ponto para passar para o segundo passo quando estiver achando que é moleza escrever daquele jeito e que as livrarias estão superlotadas de livros com a mesma qualidade.


2) Anote aí: é muito importante para a sua formação que você leia os maus escritores. Eles são de valor incalculável e jamais deveriam ser desprezados. Desconfio de um curso que se diga sério e não os recomende. Deveriam fazer parte do programa de qualquer Universidade minimamente respeitável.

Parece-me inadmissível que alunos sejam levados a acreditar na existência de um mundo ideal e, à semelhança dos romances, passem a imaginar que encontrarão com Graciliano Ramos no funk de sexta feira, trocarão confidências em um chat com Ernest Hemingwai. Ou talvez alguém como Machado de Assis escreverá a próxima novela das oito ou quem sabe todo dia nascerá na Maternidade do Povo uma nova penca de Guimarães Rosa. Não! É imprescindível que sofram depois do filé com uns "besta-seleres" na cabeça para aprenderem a separar o joio do trigo. Depois de degustarem a realidade, mãos à obra.

3) Ler Eça de Queiroz ou Fernando Pessoa certamente é empolgante mas tentar escrever em seguida pode ser profundamente desanimador. Claro que existem aqueles que não conseguem ver muita diferença entre um grande escritor e um escritor medíocre. Há ainda os que preferem os medíocres! São esses os mais animados em adotar esse novo "passa-tempo". Já outros sofrem pela dura comparação e só escrevem mesmo porque não conseguem deixar de fazê-lo. Não é uma opção, é mais ou menos como a história do rapazinho delicado que... deixa pra lá. Se você for uma dessas pessoas que mesmo se sentindo uma minhoca não conseguem parar com esse negócio, aqui vão umas dicas.



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