Despedidas


Toda despedida nos arranca alguma coisa. Alguma coisa a que tínhamos direito e nos deixa um sentimento incômodo de injustiça. Quem parte leva consigo algo que era direito nosso e que não poderia ter levado. Enquanto todo encontro constrói, a despedida por sua vez parece fazer o contrário: leva consigo alguns tijolos da nossa preciosa construção. Suportamos alguns vácuos mas com o tempo vamos ficando fragilizados...

Hoje me despedi do meu filho por não sei quanto tempo. Seis meses? Um ano? Quem sabe? Só a morte é pior do que a despedida, que na verdade é uma pequena morte.

A morte é uma despedida grande, grandona e desajeitada.

Nesse mundo a gente vai juntando despedidas de tal forma que a vida começa a ficar com cara de morte. O problema é que quando a morte se torna tão parecida assim com a vida a gente começa a se perguntar se vale a pena continuar.

Quando somos mais novos tiramos tudo de letra. É uma tristeza aqui, uma dor mais acolá, mas a gente tem certeza de que já vai passar e que muita coisa nova ainda virá para superar as perdas do dia-a-dia. Com o passar do tempo descobrimos que as grandes surpresas são, em sua maioria, mais despedidas com as quais não contávamos.

É impossível sofrer a despedida do Victor por ela só. É impossível encará-la como uma dor órfã, sem genealogia. Não, não é. É assim só na mais tenra juventude. Depois passa a não existir mais dor desacompanhada. Todas são cumulativas e se juntam a tantas outras e de tal forma buscam-se e se juntam que não sabemos mais separá-las umas das outras. Tudo forma um só novelo. Cinzento. Chora-se o adeus de hoje com os olhos no horizonte ainda percebendo o adeus de ontem. A dor de hoje recusa-se a doer sozinha.

Penso no Victor e lembro do Maurício. Penso no Maurício e lembro da mamãe, da vovó, do papai, da tia Tita, da Núbia e de tantos outros que não morreram mas também não estão aqui. Então penso nas despedidas que se juntam àquelas mortes e vejo que são todas da mesma natureza.

É assim que a gente vai se despedindo do mundo. As pessoas que vem depois não têm mais muito a ver conosco. Novos amigos? Como assim? Sem passado em comum? Sem piadas, gafes, formaturas, aniversários, doenças, brigas, choros e presentes? Sem saber como eu era? Como alguém que veio tão depois pode entender quem eu sou se não souber quem eu fui?

Um dia não vai mais valer a pena estar por aqui. As pessoas que envelheciam com a gente morreram. Só elas não sentiam o tempo passar para nós. Só elas nos viam sempre do mesmo jeito porque se metamorfoseavam conosco em ritmo idêntico e não percebíamos nossa decadência mútua justamente por ser mútua.

Os personagens da minha história vão-se indo ou por morte ou por distância. Sempre parece brusco. Eu preferia que evaporassem lentamente. “ Ir” é brusco e pesado demais.

Chegará um momento no qual será impossível continuar a compor a minha história com tão poucos personagens. Como imaginar próximos capítulos?

Quando não houver mais história a ser continuada... Quando a história não conseguir mais andar pra frente, só para trás no espelho da lembrança... Que Deus tenha a bondade de fechar logo a cortina. Não quero estar sozinha no palco.

Cristina Faraon

Um comentário:

Unknown disse...

Caramba, lendo o que escreveste,parece que passou um filme pela minha cabeça,pois em 2006 fui morar sozinha em São Paulo, para realizar a minha especialização,morei 1 ano e meio la,nossa, como foi difícil... o semblante dos meus familiares no aeroporto,amigos com cartazes com palavras carinhosas,caraca,cheguei a pensar se era necessário todo aquele sacrifício,mas hj em dia agradeço a Deus por ter me dado discernimento nos momentos mais dificeis pelos quais passei la em sampa e não ter pensado em nenhum momento em desistir dos meus sonhos que ali estavam,pois se tivesse desistido,com certeza hj seria uma pessoa frustrada e sem os empregos que conquistei com tanto esforço,heheheh!
Beijossssssssss!

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